Inquietudes sobre o apoio a redes de turismo comunitário
Tradução: Clara Carybé
Revisão terminológica: Lucas Diniz
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Diante das dificuldades de acesso ao mercado, o descaso das autoridades governamentais e as múltiplas histórias de abuso por parte de empresas privadas e operadoras de turismo, a criação de redes de turismo comunitário surge como uma estratégia para superar esses obstáculos e ganhar força por meio da solidariedade, da colaboração e da busca do bem comum (Maldonado, 2007). Por tanto, a pergunta não é o que fazer, mas como fazer e dentro desse como questionar: Quais são os primeiros passos? Com o apoio de quem? Por quanto tempo? Como nos organizamos? Entre outras.
De quem deve partir a ideia?
Nos últimos anos, a criação de redes a partir de enfoques de baixo para cima tem sido incentivada, com isso busca-se que os representantes da comunidade proponham, fomentem e trabalhem na construção de suas próprias redes de turismo comunitário. No entanto, a maioria das redes de turismo comunitário que conheço no México e especialmente na Península de Yucatán, surge a partir do apoio de associações civis, fundações e universidades. Estas instituições constroem pontes e incentivam espaços de diálogo entre diferentes iniciativas presentes no território.
Isso não quer dizer que a ideia tenha sido imposta de cima para baixo, mas que provavelmente tenha sido proposta, dialogada e discutida a partir de relações de confiança e colaboração, nas quais as organizações de base comunitária decidem se desejam aceitar a ideia e qual vai ser o papel que vão desempenhar nesses processos. O poder de decisão da base dependerá do grau de amadurecimento das organizações envolvidas, da existência de lideranças comunitárias fortes e dispostas a levantar voz, do sentido de identidade e comunidade que se consiga formar entre os integrantes e de um acompanhamento disposto a dialogar, desconstruir, deixar ir e reconstruir de forma horizontal.
De quem são os recursos... e a visão?
Também conhecemos inúmeros casos de fracasso de redes locais, nacionais e regionais que nasceram a partir de grandes projetos financiados por agências de desenvolvimento e organismos internacionais que promovem a integração regional como estratégia para melhorar a qualidade de vida da população local, incentivar a conservação e defender o território. Entretanto, muitas dessas redes, apesar das conquistas alcançadas, acabam ao mesmo tempo que os financiamentos que lhes deram origem, quando não é possível garantir a continuidade dos recursos para sua operação, em outras palavras, quando as organizações financiadoras abandonam o projeto (Kumú Travel, 2020).
Então, deve-se evitar a criação de redes de turismo comunitário a partir do financiamento de agentes externos? Claro que não. Na maioria dos casos, esses agentes são necessários não só por razões econômicas, mas por toda a rede de parceiros que se cria em torno dessas iniciativas para as quais além de dinheiro, proporcionam assessoria técnica, motivação e parceria para multiplicar o impacto das ações que geram.
No entanto, mais que um problema de financiamento seria importante considerar também as agendas de desenvolvimento. Em muitos casos, essas redes começam com planos estratégicos impressionantes, baseados em agendas externas que cumprem os requisitos de cooperação internacional, conservação, pesquisa, promoção turística, impacto político, etc. e consideram os múltiplos fatores que podem contribuir para o fortalecimento do turismo comunitário. Apesar desses objetivos serem desejáveis e necessários, conforme os projetos avançam, se tornam mais complexos e difíceis de identificar, tanto para as comunidades, como para aqueles que as apoiam: Como damos continuidade a essas agendas extensas quando os recursos acabam e não se pode garantir apoio técnico constante e próximo? Para que fazer isso? Qual era a motivação simples e clara que nos uniu no início? Segue sendo viável?
Sabemos que os sonhos são grandes, os problemas complexos e a luta apaixonante, mas creio que é importante lembrar que a visão de comunidade está baseada na possibilidade de se trabalhar em conjunto e também de se encontrar parceiros com quem colaborar. Não é papel das redes resolver todos os problemas que afetam as comunidades, mas sim definir o papel que deve exercer, aquele que podem melhor desempenhar e também encontrar parceiros com os quais podem construir agendas de desenvolvimento e criar mecanismos de colaboração que lhes permitam alcançar tais objetivos.
Como organizar o trabalho?
A maioria das redes de turismo comunitário na América Latina trabalha de maneira direta ou transversal com temas de melhoria de infraestrutura e de equipamentos públicos, capacitação, acesso a mercado e comercialização, sendo esta última um dos principais indicadores de êxito ou fracasso de uma organização de segundo nível (Maldonado, 2007).
Em termos comerciais, a criação de rede está baseada na conquista de espaço e controle dentro da cadeia turística de valor com o objetivo de aumentar os benefícios para a base. Em consequência, as redes assumem o papel de intermediários entre os viajantes e as iniciativas locais, sendo sua principal função facilitara operação turística ao reduzir o número de transações entre as partes, de tal maneira que se aproveite ao máximo os benefícios para todos (Cañada,2015). Contudo, um dos primeiros passos para alcançar esse objetivo é a construção de alianças que lhes permitam cumprir sua função de maneira organizada, solidária e eficiente. Aí está o desafio...
Como em uma agência de viagem convencional, é necessário o apoio de uma equipe responsável pela operação da empresa, especialmente pelos processos de vendas e atenção aos clientes. Em alguns casos, isso implica a busca de profissionais, voluntários ou estudantes que assumam essas tarefas sob estruturas horizontais de tomada de decisões em que se unem representantes da comunidade e da instituição promotora. Em outras ocasiões, esse trabalho é assumido pela equipe da organização promotora que trabalha de maneira coordenada com os representantes dos projetos. Finalmente, embora nos dois casos se promova uma incorporação gradual de representantes das iniciativas comunitárias, a organização promotora tende a representar um papel predominante no desenvolvimento da rede, uma vez que se encarrega tanto da operação comercial quanto da obtenção de recursos que permitam garantir sua continuidade.
Por outro lado, surgem também outras propostas baseadas no saber comunitário que lembram sistemas rotativos de cargos, em que as organizações descentralizam as funções operacionais e as dividem entre os participantes de tal maneira que todos conheçam os processos e que se busque uma divisão mais equitativa de responsabilidades e benefícios. Estas alternativas poderiam significar mais tempo e maior risco de abandono, como também evoluir segundo o grau de maturidade da rede. Contudo, permitem que as comunidades assumam um papel mais importante de acordo com o seu desenvolvimento e contribuem para a autogestão comunitária.
As experiências de turismo comunitário são complexas e variam segundo as pessoas, contexto sociocultural, processo histórico e fatores econômicos próprios de cada região. Portanto, a intenção deste artigo não é oferecer fórmulas universais, mas iniciar conversas sobre os processos que contribuem para o fortalecimento do turismo comunitário e sobre nosso papel ao apoiar diversas iniciativas comunitárias. Estou segura de que as trajetórias de muitas redes apenas começam e que durante seu processo de desenvolvimento ainda restam muitas transformações aprendizagem para compartilhar.